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‘O problema não são os piratas – é a lei’



Uma entrevista com Lawrence Lessig. Para quem não sabe, o Lessig é o criador do Creative Commons, uma organização não-lucrativa que oferece ferramentas para que as pessoas possam disponibilizar seu trabalho com a liberdade que queiram, saindo do habitual “Todos os direitos reservados” para “Alguns direitos reservados”.

Uma das maiores autoridades do mundo em direitos autorais na era digital, ele concorda: ‘Sim, somos todos piratas’

“A lei é o problema”, Lawrence Lessig sequer titubeia ao ser perguntado sobre direitos autorais e o mundo digital, “ela é muito radical”. O mesmo não pode ser dito sobre Lessig, professor de direito na universidade de Stanford, nos EUA. O criador do Creative Commons, proposta para flexibilizar o sistema legal, tem uma preocupação que vai além do copyright: “Temos toda uma geração de garotos que acha que a lei é um saco, que ignoram a lei. Quão difícil será para nós fazer eles também obedecerem leis fiscais, ou outras leis? Há dez anos, violar a lei não era tão fácil.”

A cerne da questão, para Lessig, está na mudança da relação das leis com a sociedade e a incorporação da cultura do remix não apenas na produção de conteúdo como nos negócios. O advogado, que foi cogitado para o cargo de ministro da justiça do governo de Barack Obama (de quem foi professor), está lançando um novo livro, Remix: Making Art and Commerce Thrive in the Hybrid Economy (editora Penguin, sem previsão de lançamento no Brasil, leia ao lado), em que dá um passo além da discussão dos direitos autorais.

“O foco nesse livro não é a criatividade. Embora ela seja importante, o livro tem uma preocupação maior com uma cultura que criminaliza atividades que deveriam ser normais. Essa é uma lição que os soviéticos aprenderam, quando faziam todas as atividades criminosas.”

No livro, Lessig propõe que a cultura do remix – em que conteúdos de naturezas diferentes são misturados por produtores e consumidores – deve também ser comercializados. Nada mais é que a ampliação da ideia de Creative Commons.

Quando foram criadas em 2001, as licenças CC deram um passo crucial no entendimento dos direitos do autor na época da reprodução eletrônica, apresentando o conceito de que o autor poderia permitir a reprodução livre de sua obra, colocando ressalvas para seu uso. Mas mais do que funcionar como uma solução, as licenças Creative Commons se aprofundaram nessa discussão que flexibiliza o rígido copyright para uma época em que qualquer um pode produzir e distribuir conteúdo.

“Precisamos atualizar a lei, para que ela faça sentido no mundo digital”, explicou em entrevista durante sua última visita ao Brasil, no ano passado. “Há muitas iniciativas nos EUA, como licenças coletivas, licenças voluntárias, que propõem mudanças para são todas propostas para fazer a lei fazer sentido na era digital. É isso o que deve ser feito, ao invés dessa guerra extrema contra quem usa as tecnologias digitais”.

“Se somos todos piratas?”, Lessig repete a pergunta para responder categoricamente e dar uma pequena aula sobre a natureza do copyright. “Sim. A razão pela qual todos são piratas hoje é porque a lei atual é baseada na reprodução de cópias. É uma que fazia sentido nos séculos 18 e 19, pois elas lidavam com cópias feitas por meio de novas tecnologias, que não estavam ao alcance de todos. Se você foca a lei de direitos autorais em cópias, você tem um modelo de negócios que incentiva o trabalho criativo. Fazia sentido”.

E continua: “Mas estamos nos movendo para uma era em que todo mundo que acessa a cultura tecnicamente faz cópias. Faz tanto sentido regular isso como regular o ato de respirar – copiar é algo tão comum que qualquer um pode fazer. Ao invés de invocar essa lei insana toda a vez que um garoto liga o computador, a lei deveria parar de focar na cópia e se focar em atividades que façam sentido comercialmente”.

E conclui citando nosso ex-Ministro da Cultura: “Se eu faço um remix de uma música do Gil e compartilho com meus amigos, ele não deve se preocupar com isso, porque não irá canibalizar seu valor de marketing. Mas se eu monto um site e coloco todo o trabalho do Gil e dou para as pessoas de graça, acho que o Gil pode – e deve – reclamar”.

Mas isso não quer dizer o fim dos direitos autorais, Lessig é enfático também nisso. “Há pessoas falando nisso, que as tecnologias digitais acabaram com qualquer possibilidade de controle. Não sou tão radical. A minha visão é que os direitos autorais têm um papel importante, só que precisam mudar para que possam continuar a funcionar.”

Lessig, no entanto, reconhece que a briga não é fácil, pois os interesses do passado defendem valores do século 20, que Lessig considera difíceis de ir contra. “Olhe para as estrelas do cinema. Elas podem dizer as coisas mais idiotas apoiando a cultura do passado e não reconhecer o futuro. Por exemplo, nos EUA, a Sony entrou em 1998 com uma ação para estender os direitos autorais por mais 20 anos. E chamou Bob Dylan como testemunha, que disse que criou o melhor de sua obra já pensando que ela só cairia em domínio público depois de 70 anos e não 50, sugerindo que, se não esse período fosse de 50 anos, ele não teria criado sua obra. Imagina o Bob Dylan nos anos 60 pensando: ‘Será que escrevo uma música? Ah, tudo bem, porque ela só vai cair em domínio público depois de 70 anos e não 50’; Nesse mundo atual coisas ridículas como essas são consideradas normais.”

E conclui fazendo uma previsão séria sobre a pirataria: “Acho que ela se tornará cada vez mais uma bandeira política.”

ALEXANDRE MATIAS E RODRIGO MARTINS via Solomon.

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